Especificidades da Sociologia no Ensino Médio*

Especificidades da Sociologia no Ensino Médio*

Por Cristiano das Neves Bodart**

 

O professor de Sociologia do Ensino Médio deve atentar-se para dois princípios epistemológicos: a desnaturalização e o estranhamento. Sem esses princípios, não estará ensinando Sociologia!

A presença desse componente curricular nesse nível de ensino não se justifica por meio do argumento de ser uma ciência capaz de promover uma formação cidadã. Formar cidadão é dever de todas as disciplinas, inclusive de exatas e biológicas. Essa não é a especificidade da Sociologia. A sua originalidade está em mobilizar, ao mesmo tempo, o olhar de desnaturalização e de estranheza em relação aos fenômenos sociais. Em outros termos, tomar seu objeto de estudo como sociais, históricos, frutos de relações complexas entre dois ou mais indivíduos; relações essas que precisam ser compreendidas em suas raízes e de forma ampla e interligada com outros fenômenos; para além das aparências imediatas.

O estranhamento é uma ferramenta essencial do ceticismo. Trata-se de ter a capacidade de espantar-se diante de fenômenos que nos parecem familiares. Ser cético, não no sentido de descrente, mas capaz de duvidar para formar futuras “certezas”, ainda que essas devam ser entendidas como temporárias e objetos de posteriores estranhamentos. O professor de Sociologia não pode abrir mão desse princípio epistemológico.

Uma aula de Sociologia não pode estar limitada a dados estatísticos, apresentação de fatos e trajetórias históricas lineares. É fundamental buscar os sentidos sociais do objeto estudado, sua interação/vínculo com seu entorno, sua importância/função social, suas origens, realizar análises das relações de poder/interesse que o envolve. É se preocupar em conduzir o aluno na compreensão de que os objetos de estudos discutidos nas aulas de Sociologia não são “dados da natureza”, antes resultados de processos histórico-sociais.

Desnaturalizar e estranhar devem ser princípios presentes em cada aula de Sociologia. Sem esses princípios, associados à transmissão de categorias conceituais e teorias como ferramentas analíticas/interpretativas, a disciplina não se justificaria no currículo do Ensino Médio.

 

Por suas especificidades, propor “estudos e práticas” de Sociologia no interior de outras disciplinas de forma diluída e ministradas por professores de outras áreas é o mesmo que a excluir do currículo, isso porque sem formação na área dificilmente o professor atentará para os princípios aqui expostos e, no fim, teremos aula de qualquer coisa, menos de Sociologia. Para lecionar Sociologia não basta saber conteúdos, é necessário um habitus próprio do “campo sociológico” ao olhar os fenômenos sociais estudados. Por mais curioso que seja, um cientista social/sociólogo não consegue deixar esses princípios de lado, estando em stand by mesmo fora de sala de aula.

 

 

 

Notas:

* Originalmente publicado no Blog Café com Sociologia.

*Cristiano das Neves Bodart, é doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e membro da comissão de comunicação da ABECS.

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