Tempo para ensinar: reflexões em torno do reduzido número de aulas de Sociologia no Ensino Médio.

Tempo para ensinar: reflexões em torno do reduzido número de aulas de Sociologia no Ensino Médio.
Por Cristiano das Neves Bodart

Cristiano das Neves Bodart é doutor em Sociologia (USP) e professor do Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
Não precisa ser professor para ter conhecimento das muitas dificuldades existentes na Educação; estão estampadas cotidianamente na grande mídia e nas redes sociais.
Há problemas relacionados às questões externas à escola, tais como as políticas educacionais, há dificuldades que figuram nos limites da escola e outros da sala de aula (TARDIF; LESSARD, 2014). Buscamos aqui destacar um problema que envolve o currículo e que acaba afetando a qualidade do que acontece em sala de aula: a carga-horária semanal da disciplina. O objetivo é colaborar no norteamento de políticas educacionais comprometidas com a busca de uma educação de maior qualidade.
Partimos das seguintes premissas:
- O professor precisa ter um bom relacionamento com seus alunos e um contato maior ajuda no desenvolvimento de empatia que, por sua vez, colabora na interação professor-aluno, consequentemente, na qualidade do processo ensino aprendizagem;
- Uma turma é composta por dezenas de alunos que aprendem de formas diferentes e num ritmo próprio;
- Aulas dinâmicas, com uso diversificado de recursos e estratégias didáticas, colaboram para a qualidade da aula;
- A escola, os laboratórios, a biblioteca e o espaço extraescolar devem ser explorados pelos professores;
- O cansaço físico e mental do docente prejudica a qualidade das aulas.
Partindo das premissas acima, argumentamos que todos os professores precisam ter tempo para se relacionar com os alunos, transmitir o conteúdo da disciplina, aplicar estratégias variadas de ensino e explorar outros espaços além da sala de aula. Não é possível aferir quanto tempo o docente precisa de contato com os alunos, mas é factível que apenas uma aula semanal de 60 ou 50 minutos não é suficiente.
Dito isto, queremos chamar atenção para uma dificuldade que vem afetando professores de Sociologia do Ensino Médio de 16 estados brasileiros: a reduzida carga-horária para o desempenho de suas funções docentes. Trata-se de um problema que afeta outras disciplinas obrigatórias, mas nos limitaremos à Sociologia, a qual temos acompanhado mais de perto.
Dez dos estados brasileiros, além do Distrito Federal, contam com mais de uma aula semanal de Sociologia, restando ainda 16 estados da federação compreender o que nos parece ser bastante óbvio: não é possível uma educação de qualidade sem dar condições aos professores de ensinar, o que passa pelo tempo a ele disponibilizado com os alunos e desempenhando sua função.
No dia 22 de setembro de 2018 professores da Rede Estadual do Mato Grosso, no III seminário “Aderindo a carreira dos profissionais da educação do Estado do Mato Grosso”, trouxeram à tona a necessidade de que todas as disciplinas obrigatórias do currículo do Ensino Médio tenham, ao menos, 2 aulas semanais por turma. O pleito é resultado das dificuldades cotidianas que enfrentam os professores que lecionam disciplinas com carga-horária reduzida. Ver vídeos 1 e 2:
Vídeo 1 –Professores do Mato Grosso defendem o mínimo de 2 aulas semanais para todas as disciplinas obrigatórias.
Vídeo 2 –Professores do Mato Grosso defendem o mínimo de 2 aulas semanais para todas as disciplinas obrigatórias (continuação).
Nota: Fala do professor Alysson Cipriano Pereira
Fonte: Rodrigo Furtado (filmagem).
Um professor com uma única aula semanal por turma não tem condições de usar outros espaços além da sala de aula, uma vez que o tempo seria quase todo gasto (se não todo) com o deslocamento dos alunos para o outro ambiente. Um professor com esse número de aula não pode “dar-se ao capricho” de usar alguns minutos para instalar e desinstalar algum equipamento/recurso didático; se fizer isso poucos minutos lhe restará para ensinar o conteúdo planejado. Esse mesmo professor não pode “dar-se ao luxo” de aplicar provas com conteúdo mais qualitativo e que envolva todos os objetivos de aprendizagem das aulas, uma vez que para completar sua carga-horária – para não passar por dificuldades financeiras – terá dezenas de turmas com dezenas de aulas, o que torna praticamente impossível a correção desse tipo de avaliação. Esse mesmo professor muito provavelmente não conseguirá chamar seus alunos pelo nome, e dificilmente desenvolverá algum contato mais afetivo com eles. Esse mesmo profissional terá, em cada turma, cerca de 12 aulas por bimestre e (se não tiver feriados) terá que dar, ao menos, duas avaliações e duas reavaliações, lhe restando apenas 8 aulas para dar conta de transmitir os conteúdos indicados no currículo para o bimestre.
Outro problema causado pela carga-horária semanal de 1 aula é a necessidade do docente ter que lecionar em várias escolas. O deslocamento, que não é computado como horas trabalhadas, lhe toma o pouco tempo que sobraria para descansar e/ou elaborar suas aulas, levando-o a exaustão e, consequentemente, ao baixo desempenho profissional e afetivo.
Por conta da carga-horária de uma aula por semana por turma e pela necessidade de completar sua carga-horária do contrato, acaba assumindo outra(s) disciplina(s), o que prejudica substancialmente sua identidade de professor de Sociologia e divide dedicação a mais de um campo do saber. Acontece também que sendo apenas uma aula semanal torna-se comum professores de outras disciplinas assumirem aulas de Sociologia. Em ambos os casos temos ações que contrariam a as recomendações nacionais e comprometem a qualidade do ensino.
Na tabela 1 destacamos a situação atual referente ao número de aulas de Sociologia no Ensino Médio brasileiro.
Para um melhor rendimento das aulas é necessário dar aos professores condições adequadas para que desenvolvam seu trabalho docente. O tempo é primordial. Mesmo que a escola ofereça laboratório de informática, dificilmente o professor de Sociologia com apenas uma aula semanal na turma terá condições de usar com seus alunos. O mesmo vale para biblioteca e outras opções que possam vir a existir na escola. Desenvolver atividades para além dos muros da escola, impossível nessa condição. Investir na qualidade da educação passa, necessariamente, pelo investimento no tempo. O professor precisa investir tempo no aluno. Por isso, defendemos que os estados que ainda se limitam a indicar apenas uma aula de Sociologia por semana precisam com urgência rever a distribuição do tempo entre as disciplinas.
Estudo realizado por Bodart e Sampaio-Silva (2016) sobre o perfil dos professores de Sociologia brasileiro e suas dificuldades em lecionar a disciplina indicam que o reduzido número de aulas por turma como uma das principais dificuldades mencionadas pelos professores.
Lima (2012) em sua dissertação de mestrado trouxe alguns entrevistas à professores de Sociologia que relataram as dificuldades e prejuízos e ter apenas uma única aula de Sociologia por semana em cada turma:
“Só tem uma aula por semana é humanamente impossível em 50 minutos, no caso do dia, e 40 minutos, no caso da noite, a gente trazer uma discussão e fazer com que essa discussão se prolongue, porque quando a gente tá no meio da discussão a aula termina, a aula se encerra. A gente não consegue prolongar os debates, a gente não consegue nem trazer materiais mais ricos pra trabalhar em sala de aula, por conta desse espaço que é limitado” (p.80).
“O grande problema é que muitas vezes a gente não vê o trabalho da gente facilitado, porque como eu só tenho uma aula por semana, então só a chamada já são trinta e poucos alunos e aí quanto tempo se gasta só nisso. Eu sinto realmente falta de que se tenha mais tempo mesmo pra trabalhar. Aí a gente faz o que dá no pouco tempo que a gente tem” (p.81).
“Pena que a gente só tem apenas uma aula em cada turma. Então a gente não pode desenvolver o trabalho como a gente gostaria de desenvolver (…) é só uma aula, então a gente não pode explorar como a gente deveria explorar” (p.81).
As premissas apresentadas anteriormente são ignoradas ao definir que a Sociologia (ou outra disciplina obrigatória) tenha uma aula semanal por turma.
Dê tempo ao professor! Tempo para atuar como professor, como educador. Dê-lhe tempo de atuar sobre/com/para os alunos. Há tempo para novas guinadas nos rumos da educação. Ensinar demanda tempo. Dê tempo ao professor.
Referências
BODART, Cristiano das Neves; SAMPAIO-SILVA, Roniel. Um raio-x do professor de Sociologia brasileiro: condições e percepções. Estudos de Sociologia, v.2, n.22, 2016. Disponível em: < https://periodicos.ufpe.br/revistas/revsocio/article/view/235745>. Acessado em: set. 2018.
TARDIF, M.; LESSARD, C. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Petrópolis: Editora Vozes, 9. Ed., 2014.
LIMA, Fabiana Conceição Ferreira de. A Sociologia no Ensino Médio e sua Articulação com as Concepções de Cidadania dos Professores. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco. Disponível em: <https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/11308/1/DISSERTAÇÃO_Fabiana%20Ferreira_PDF.pdf>. Acessado em: set. 2018.
[…] Carga horária reduzida não privará os estudantes e as estudantes do acesso ao conhecimento do mundo e de si mesmo, como também gerará impactos igualmente perversos sobre os professores e professoras. Ver sobre isso AQUI. […]